RESSIGNIFICANDO O OFÍCIO DE MESTRE


RESSIGNIFICANDO O OFÍCIO DE MESTRE

Por: Jorge Schemes*

Há perguntas filosóficas que são essenciais para repensar a profissão de professor como um ofício, são elas: O que é ser professor? O que é ser educador? O que é ser pedagogo? Estas são perguntas distintas que devem ser refletidas em seu contexto próprio e tempo histórico. Como professores educadores temos o dever e o direito a qualificação como um processo de formação permanente. Este é um de nossos direitos como profissionais e também como seres humanos. Manter constantemente abertas as linhas de formação plena para a discusão e a reflexão sobre o nosso ofício e nós mesmos é fundamental, pois educação só se faz com gente. O sentido profundo do humanismo pedagógico é o ser humano, os conteúdos são mediações ou não, para esse sentido. Historicamente, à medida que a educação se tornou ensino, o conteúdo passou a ser mais importante que o humano no ser, tanto do professor quanto do aluno, a centralidade da figura do educador se perdeu e a instituição passou a ser priorizada na avaliação da comunidade, e não mais a atuação do professor em si. Assim, o profissional da educação passou a ser esquecido e ele mesmo se auto-esqueceu, daí a pergunta: quem é o professor? A resposta revela uma profunda necessidade de humanização das inter-relações que se desenvolvem nas práticas pedagógicas e no cotidiano da escola, ou seja, os professores têm necessidade de conhecer uns aos outros.
Outra leitura que se faz dentro da escola pode ser simbólica e midiática. Os símbolos dentro da escola precisam ser mais humanizados e possuir um significado mais cultural que falem alguma coisa. A escola como ponto de encontro cotidiano precisa ser mais humanizada para os professores. Deveria haver um tempo de encontro cotidiano e não apenas esporadicamente. Faz-se necessário desconstruir as imagens que temos de professores e professoras. Essa não é uma tarefa fácil, pois não é fácil ser livre e ético, por isso se torna necessária a educação para a liberdade e a ética. O que ocorre é que as imagens que se apresentam diante de nós de maneira concreta todos os dias estão quebradas, e quem trabalha com vidro quebrado pode se machucar. Há infâncias e adolescências quebradas. Viver na sociedade sem paradigmas éticos é um desafio muito grande para todos, principalmente para que ainda está formando a sua identidade social. Mas a pergunta que se faz é: será possível construir a imagem que queremos? Há liberdade plena para isso? Quais são as imagens e auto-imagens que temos da educação? Primeiro devemos considerar que a educação é uma construção histórica e sua imagem também. Há uma tensão histórica e dialética na construção da imagem do mestre. O próprio ser humano é um processo em construção histórica (produto da história). Não há um molde para essa construção formativa, se temos que construir nossa imagem devemos perguntar se de fato somos livres para isso. Temos que construir nossa liberdade, nossa autonomia intelectual e moral. O fato é que a imagem do professor está distorcida, basta observar o que a mídia apresenta na data que comemora o seu dia. Se fizermos um levantamento da imagem do professor no dia do professor, a mídia ainda persiste em apresentá-lo como um sacerdote ou meramente um técnico. Afinal, que imagem temos da educação e do professor? Que imagem queremos? Não podemos negar que há um imaginário muito forte sobre o magistério, parecemos “pau para toda obra”. Há uma transferência de responsabilidades.
Precisamos refletir que o foco pedagógico não está no passado ou no futuro, mas no presente. Afinal, que imagens já estão em construção hoje? O que observamos é que há uma tensão dialética das imagens já construídas e as que estão sendo construídas. Como profissionais da educação somos sujeitos de direitos, não somos “pau para toda obra” ou uma “legião de boa vontade e voluntariado”. Que imagem profissional nós temos quando nos contrastamos com outros profissionais? O fato é que todos, indiscriminadamente, se acham no direito de opinar sobre educação, isso demonstra a falta de profissionalismo na educação e a ausência de uma imagem e auto-imagem profissional. Para isso é necessária qualificação profissional e capacitação permanente. O que podemos fazer para tornar o nosso campo de atuação mais profissional? Uma fundamentação teórica pedagógica mais consistente pode ser um bom começo. Embora muitos educadores sejam avessos a teoria educacional, ter mais clareza de nosso embasamento profissional é essencial para a práxis pedagógica. Mas como garantir esse embasamento profissional? Somos profissionais de direitos, especialista de direitos, pessoas de direitos e devemos garantir nosso direito a ser gente, nosso direito à educação continuada. Devemos lutar para garantir o direito a nos construir como humanos. O que é necessário para avançar nesta imagem? Qual nossa visão dos educandos? Qual nossa autovisão? Qual a concepção de ser humano e do humano o ser que norteia nossa prática pedagógica? O fato é que são os educandos que revelam nossa identidade. Então, como vemos nossos educandos? Que concepção de ser eu tenho? Assim como é fundamental o auto-reconhecimento como pessoa de direitos, também é importante reconhecê-los como sujeitos de direitos, seja na infância, na adolescência, na juventude, na vida adulta e na terceira idade. O olhar sobre eles não pode ser telescópico, fixo. Precisa ser um olhar caleidoscópico que contemple as diferenças e a diversidade. Não podemos falar e pensar em infância e juventude, mas sim em infâncias e juventudes. Precisamos de um olhar caleidoscópico sobre os tempos de vida e os sujeitos. O cidadão não será, ele já é em cada tempo de vida. Não se educa para ser, mas para exercer. Todavia, o fato é que a educação ainda não é um direito universal nem natural, como o direito à vida. Enquanto não considerarmos nossos educandos como sujeitos de direitos durante todo o tempo de sua existência, e todo o tempo humano como um direito à educação, não poderemos falar em inclusão. Para isso, faz-se necessário reinventar o profissional da educação, porque o fantasma das crianças e jovens quebrados pela escola nos atormenta como profissionais. A falta de respeito à condição humana em todos os tempos é um escândalo psicosocial. Respeitar todos os tempos de vida do ser humano é não aceitar que um adolescente fique no meio de crianças para receber uma pretensa educação. A reprovação é a quebra da alma humana de uma criança e jovem, e de quem é sempre a culpa? Como adjetivamos nossos alunos? Que visão humana ou desumana temos? Nos conselhos de classe em que tenho participado percebo que geralmente não se usam termos técnicos para classificá-los, mas pejorativos. A culpa é sempre deles, dos incapazes, e nunca da escola ou do mal profissional da educação, ou ainda do processo pedagógico. Há uma tremenda necessidade de compreender as transformações das necessidades das novas gerações. O conflito de gerações é real e só uma maneira de superá-lo, a profissionalização e capacitação do profissional da educação. Afinal, qual é a nossa função? Somos ensinantes ou educadores? Ensinar ou educar, eis a questão. Devemos considerar que durante muito tempo a pedagogia conduziu a infância, agora é a infância que nos guia e nos mostra o que é relevante e necessário para este tempo histórico.
Somos profissionais da educação e não apenas do ensino. Precisamos recuperar o significado das palavras educação e educadores. Se toda docência é um processo humano, é impossível ser apenas um ensinador e não ser educador. Assim, todo educador é professor de moral, quer tenha consciência disso ou não. Transmitimos valores em nossa ação pedagógica. Vivemos um momento de crise moral, de crise de valores, de crise ética. Vivemos um momento de gestação, em que a lacuna ética precisa ser preenchida. Essa falta de valores tem criado escolas cemitérios, com uma educação para mortos e para a morte. Há uma perda de autoridade muito grande, e um aumento do autoritarismo. Considerando que autoridade e autoritarismo são coisas bem distintas, é fundamental que como profissionais da educação saibamos construir nossa autoridade pela nossa competência e comprometimento. Autoritarismo não é educação. A escola não pode ser considerada como uma máquina ensinante, há que recuperar o humanismo pedagógico, pois educar é humanizar, é recuperar a humanidade roubada, quebrada e esquecida.
Se for preciso redefinir os currículos congelados e obsoletos, que assim seja. Se for preciso redefinir a docência, a didática, os métodos medievais, as práxis e o próprio educador, que assim seja. Que dimensões da educação e do próprio ser humano precisam ser redefinidas? Afinal, o que o ser humano? Quem é esse ser que se coloca diante de mim para ser educado? Qual o seu tempo histórico e de vida? Certamente é um microcosmo, um ser complexo e maravilhoso. É preciso considerar o ser humano enquanto cultura e civilização. Quais seus valores, conhecimentos, símbolos, crenças, etc? Devemos nos questionar: que dimensões do ser humano valorizamos mais e que dimensões nem tocamos? Na visão tradicional é a dimensão cognitiva a privilegiada, pois é capaz de conhecer e produzir o conhecimento. Na postura tradicional o fluído do conhecimento deve ser derramado e encher ou fazer a cabeça. Todavia, a capacidade de pensar é que transformará a informação em conhecimento e este em sabedoria. Que tipo de conhecimento desejamos construir e estamos construindo? Conhecimento estragado, ultrapassado e obsoleto, ou conhecimento saudável? Morto ou vivo? Daí a necessidade de um conhecimento filosófico que leve à prática da filosofia como ferramenta que fundamentará o pensar e o agir. Apresentar aos educandos uma grade curricular que é uma prisão do conhecimento, ou um conhecimento alienador, fechado, pronto e acabado, é torná-los meros refletores do pensamento já pensado. Em nosso tempo histórico devemos considerar que a grande matriz curricular é a cultura e o conhecimento faz parte da cultura. Hoje há o que pode ser definido de analfabetismo cultural. Educadores e educandos são pessoas de direitos a cultura. Isso envolve aspectos éticos de comprometimento, e a urgente necessidade de educar condutas, de ensinar valores com intencionalidade. Todavia isso só será possível com a resignificação do professor como educador e profissional.


* Este texto foi produzido como resultado das anotações feitas durante uma palestra proferida pelo educador e escritor Miguel Arroyo.

LIBERDADE E ÉTICA...


CHARGES DE MAOMÉ

Por: Jorge Schemes

O fenômeno religioso é algo muito sério e delicado, afetando a sociedade direta ou indiretamente. Por essa razão o compromisso ético dos meios de comunicação de massa, e da mídia como um todo é fundamental para que todas as manifestações de fé sejam devidamente compreendidas, para que possam ser respeitadas. Por meio de um conhecimento destituído de pré-conceitos é possível compreender melhor o outro, suas razões, modo de pensar, acreditar e agir. O grande desafio entre o Ocidente cristão e o Oriente islâmico é manter suas próprias convicções de fé sem ultrajar ou ridicularizar as do outro. Este é um dos princípios da ética da alteridade. O acolhimento do rosto do outro (do diferente) como manifestação ética e como o limite moral de nossas ações pode ser um dos caminhos para o diálogo e a reverência entre as diversas matrizes religiosas. Todavia, o concurso de charges sobre o profeta Maomé, realizado em setembro de 2005 por um jornal da Dinamarca e posteriormente por um jornal francês contendo desenhos com a cara e o corpo do profeta e do próprio Deus (Alá, para os muçulmanos), foram considerados ofensivos pelos milhões de fiéis islâmicos espalhados pelo planeta, mas por quê? Porque a fé islâmica não permite este tipo de representação, pois é uma blasfêmia. Como resultado estamos presenciando atônitos, em pleno século XXI, as manifestações de violência, revolta e indignação que invadiram os países islâmicos, onde até mesmo crianças saíram às ruas para protestar contra a falta de respeito pelo sagrado em sua religião. O terrorismo, que não pode ser classificado como islamismo, se alimenta deste ódio contra o ocidente. Penso que este tipo de “liberdade de expressão” não é pautado pela ética e nem ao menos pelo bom senso. Os meios de comunicação de massa e seus responsáveis devem levar em consideração as diferenças e a diversidade que há na moral e nas crenças profundas do cristianismo, islamismo e judaísmo, e que tais religiões são norteadas por universos distintos e incluem cosmovisões diferentes. O que pensariam e como reagiriam os cristãos se fossem publicadas charges sobre Jesus, a virgem Maria, o Papa, a Santíssima Trindade e outros dogmas da fé cristã? Não faz muito tempo um pastor evangélico chutou a imagem da santa virgem Maria na televisão e isso foi suficiente para causar protestos e indignação por parte dos fiéis católicos romanos. O sagrado é algo que mexe diretamente com os mais profundos sentimentos de fé daqueles que o adotam, por isso, o bem senso deve predominar na chamada liberdade de imprensa. Uma reflexão sobre o que é a liberdade e se há liberdade absoluta pode ajudar neste caso. Vale refletir que a própria liberdade tem seus limites éticos e morais, pois está pautada em direitos e deveres, os quais se fundamentam em algum código de ética que rege a conduta. Para piorar a situação, muçulmanos do Irã revidaram anunciando um concurso pelo jornal Hamshahri de Teerã, cujo tema são caricaturas sobre o holocausto judaico ocorrido durante o Regime Nazista de Hitler. Isso vai acabar gerando uma bola de neve de intolerância e preconceito, pois o holocausto representa algo repugnante à nação de Israel. Certamente este não é o caminho para a construção de um mundo de paz, onde todas as crenças possam conviver mantendo o diálogo e a reverência como fundamentos da liberdade religiosa. O que pode ser feito para reverter, ou ao menos amenizar os conflitos, é o reconhecimento do grave erro cometido por meio de um humilde pedido de desculpas, e tudo isso em nome da liberdade de expressão pautada pela ética e responsabilidade moral.

Jorge Schemes - Licenciado em Ciências da Religião pela FURB

EDUCAÇÃO PARA O PENSAR...


Ensinar a Pensar

Por: Immanuel Kant

Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida.

Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado. A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Mas ao mesmo tempo foi corrompida num grau muitíssimo maior pela ilusão de sabedoria. É por esta razão que não é infrequente deparar-se-nos homens de instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram pouco entendimento. É por esta razão, também, que as academias enviam para o mundo mais pessoas com as suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública.

[...] Em suma, o entendimento não deve aprender pensamentos mas a pensar. Deve ser conduzido, se assim nos quisermos exprimir, mas não levado em ombros, de maneira a que no futuro seja capaz de caminhar por si, e sem tropeçar.

A natureza peculiar da própria filosofia exige um método de ensino assim. Mas visto que a filosofia é, estritamente falando, uma ocupação apenas para aqueles que já atingiram a maturidade, não é de espantar que se levantem dificuldades quando se tenta adaptá-la às capacidades menos exercitadas dos jovens. O jovem que completou a sua instrução escolar habituou-se a aprender. Agora pensa que vai aprender filosofia. Mas isso é impossível, pois agora deve aprender a filosofar. [...] Para que pudes-se aprender filosofia teria de começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e dizer: «Veja-se, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se aprenderem a entendê-lo e a compreendê-lo, se fizerem dele as vossas fundações e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos». Até me mostrarem tal livro de filosofia, um livro a que eu possa apelar, [...] permito-me fazer o seguinte comentário: estaríamos a trair a confiança que o público nos dispensa se, em vez de alargar a capacidade de entendimento dos jovens entregues ao nosso cuidado e em vez de os educar de modo a que no futuro consigam adquirir uma perspectiva própria mais amadurecida, se em vez disso os enganássemos com uma filosofia alegadamente já acabada e cogitada por outras pessoas em seu benefício. Tal pretensão criaria a ilusão de ciência. Essa ilusão só em certos lugares e entre certas pessoas é aceite como moeda legítima. Contudo, em todos os outros lugares é rejeitada como moeda falsa. O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como o disseram alguns filósofos da antiguidade (de zhtein). Por outras palavras, o método da filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática, e apenas em algumas áreas, é que este método se torna dogmático, isto é, decisivo. Por exemplo, o autor sobre o qual baseamos a nossa instrução não deve ser considerado o paradigma do juízo. Ao invés, deve ser encarado como uma ocasião para cada um de nós formar um juízo sobre ele, e até mesmo, na verdade, contra ele. O que o aluno realmente procura é proficiência no método de reflectir e fazer inferências por si. E só essa proficiência lhe pode ser útil. Quanto ao conhecimento positivo que ele poderá talvez vir a adquirir ao mesmo tempo — isso terá de ser considerado uma consequência acidental. Para que a colheita de tal conhecimento seja abundante, basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes deste método.

Immanuel Kant
Tradução de Desidério Murcho

Texto retirado de «Anúncio do Programa do Semestre de Inverno de 1765-1766» da colectânea de textos Theoretical Philosophy, 1755-1770 (edição de David Walford e Ralf Merbote, Cambridge University Press, 1992), pp. 2:306-7.

LIBERDADE RELIGIOSA E CIVIL

A GUERRA CONTRA AS RELIGIÕES

Por: Olavo de Carvalho

Fonte: Diário do Comércio, 23 de janeiro de 2006

Embora desde a Revolução Francesa o grosso da violência militante tenha se originado sempre nas ideologias materialistas e escolhido como vítima preferencial a população religiosa; embora a perseguição aos católicos, ortodoxos, protestantes e judeus tenha matado mais gente só no período de 1917 a 1990 do que todas as guerras religiosas somadas mataram ao longo da história universal; embora nas duas últimas décadas o morticínio de cristãos tenha voltado a ser rotina nos países comunistas e islâmicos, chegando a fazer 150 mil vítimas por ano; embora todos esses fatos sejam de facílima comprovação e de domínio público (v. nota no fim deste artigo); e embora nas próprias nações democráticas o acúmulo de legislações restritivas exponha os religiosos ao perigo constante das perseguições judiciais, -- a grande mídia e o sistema de ensino na maior parte dos países insistem em continuar usando uma linguagem na qual religião é sinônimo de violência fanática e na qual a eliminação de todas as religiões é sugerida ao menos implicitamente como a mais bela esperança de paz e liberdade para a humanidade sofrida.

A mentira gigantesca em que se sustenta essa campanha é tão patente, tão ostensiva, tão cínica, que combatê-la só no campo das discussões públicas é o mesmo que querer parar um assassino, ladrão ou estuprador mediante a alegação polida de que seus atos são ilegais. Os mentores e autores da campanha anti-religiosa universal sabem perfeitamente que estão mentindo. Não precisam ser avisados disso. Precisam é ser detidos, desprovidos de seus meios de agressão, reduzidos à impotência e tornados inofensivos como tigres empalhados.

A propaganda insistente contra uma comunidade exposta a risco não é simples expressão de opiniões: é ação criminosa, é cumplicidade ostensiva ou disfarçada com o genocídio. Aqueles que a praticam não devem ser apenas contestados educadamente, como se tudo não passasse de um pacífico debate de idéias: devem ser responsabilizados judicialmente por crimes contra a humanidade. A jurisprudência acumulada em torno das atrocidades nazistas, unânime em condenar a cumplicidade moral mesmo retroativa, fornece base mais que suficiente para condenar, por exemplo, um Richard Dawkins quando sai alardeando que o judaísmo e o cristianismo são “abuso de menores”, como se a noção mesma da proteção à infância não tivesse sido trazida ao mundo por essas religiões e como se elas não fossem, hoje, o último obstáculo à erotização total da infância e à subseqüente legalização universal da pedofilia (já praticamente institucionalizada no Canadá, um dos países mais ateus do universo).

Quando o sr. Dawkins se diz avesso ao uso de meios violentos para extinguir as religiões, mas propõe os mesmos objetivos ateísticos que há dois séculos buscam realizar-se precisamente por esses meios, ele sabe perfeitamente que a ênfase do seu discurso, e portanto seu efeito sobre a platéia, está na promoção dos fins e não na seleção dos meios. Voltaire, quando bradava “esmagai a infame”, negava estar incitando quem quer que fosse à violência física contra a Igreja Católica. Mas, quando os revolucionários de 1789 saíram incendiando conventos, destripando freiras e decapitando bispos, era esse grito que ecoava nos seus ouvidos e saía pelas suas bocas. Se a religião é, segundo o sr. Dawkins, “o maior de todos os crimes”, a matança de todos os religiosos terá sempre o atenuante da gravidade menor e o da sublime intenção libertadora. Quando no começo do século XX Edouard Drumont escrevia “ La France Juive”, ele não tinha em mente nenhuma crueldade a ser praticada coletivamente contra os judeus. Mas é impossível ler hoje suas páginas sem sentir o cheiro das câmaras de gás. Uma única e breve página vagamente anti-semita escrita por Winston Churchill na juventude precipitou-o numa tal crise de arrependimento, diante da ascensão do nazismo, que isso decidiu o restante da sua vida de líder e combatente. Drumont, que morreu em 1917, não poderia ter adivinhado o destino que os leitores dos seus livros dariam aos judeus. Mas o sr. Dawkins não precisa adivinhar o futuro para calcular o efeito de suas palavras: ele conhece a história do século XX, ele sabe a que resultados levam não somente as propostas explícitas como a de Lênin, “varrer o cristianismo da face da Terra”, mas também o anticristianismo mais sutil, mais sofisticado de um Heidegger, que, pretendendo expulsar Deus para fora da metafísica, convocou Adolf Hitler para dentro da História. O homem que, sabendo de tudo isso, se oferece para gravar programas de TV que apresentam a religião como a raiz de todos os males, como se os mais amplos morticínios da História não fossem males de maneira alguma, esse homem é simplesmente um apologista do genocídio, um criminoso vulgar como qualquer neonazista de arrabalde.

O sr. Dawkins já ultrapassou aquele limite da truculência mental e do desprezo à verdade, para além do qual toda a discussão de idéias se torna inútil. Não se trata de provar nada para o sr. Dawkins. Trata-se de provar seu crime perante os tribunais. O dele e o de inumeráveis organizações militantes, subsidiadas por fundações bilionárias, dedicadas a fomentar por todos os meios o ódio às religiões.

Todas as organizações religiosas que não se mobilizarem para a defesa comum não só no campo midiático, mas no judicial, devem ser consideradas traidoras, colaboracionistas e vendidas ao inimigo. E não espanta que usem para legitimar sua covardia abominável o pretexto do perdão e da caridade, prostituindo o sentido da mensagem evangélica que manda cada um de nós perdoar as ofensas feitas a ele próprio, nunca pavonear-se de cristão mediante o expediente fácil de perdoar crimes cometidos contra terceiros, que aliás nunca lhe deram procuração para isso. Não é um discípulo de Jesus aquele que, vendo seu irmão ser esbofeteado, se apressa em cortejar o agressor ofecendo-lhe a outra face da vítima.

Fundamentalismo?

O mais extraordinário é que as forças anticristãs e antijudaicas, mal escondendo seu apoio à ocupação islâmica do mundo ocidental, prevalecem-se da própria imagem sangrenta do radicalismo islâmico para projetá-la sobre todas as comunidades religiosas, sobretudo aquelas que são vítimas usuais da violência muçulmana, e transmitir ao mundo a noção de que todas são, no fundo, terroristas. O manejo astuto do termo “fundamentalismo” tem servido para esse ardil, que desonra qualquer língua culta. Esse termo designava originariamente certas seitas protestantes afeitas a uma leitura literal da Bíblia ou, mais genericamente, qualquer comunidade religiosa decidida a conservar o apego às suas tradições (um direito que hoje se reserva para muçulmanos, índios, africanos e seus descendentes, negando-o a todo o restante da espécie humana). Ao transferir o uso desse qualificativo para os terroristas islâmicos, a grande mídia e os intelectuais ativistas que a freqüentam cometeram uma impropriedade proposital. De um lado, esse uso camuflava o fato de que esses radicais não eram de maneira alguma tradicionalistas: eram revolucionários profundamente influenciados pelas ideologias de massa ocidentais - comunismo e nazifascismo -, bem como pelo pensamento “vanguardista” de Heidegger, Foucault, Derrida e tutti quanti. De outro lado, e por isso mesmo, o termo assim empregado ia-se imantando de conotações repugnantes, preparando seu uso futuro como arma de guerra psicológica contra as mesmas comunidades religiosas que o radicalismo islâmico tomava e toma como suas vítimas preferenciais: os cristãos e os judeus. Numa terceira fase, o qualificativo passou a ser usado ostensivamente contra essas comunidades, ao mesmo tempo que se espalhava pelo mundo a campanha de difamação anti-religiosa da qual o sr. Richard Dawkins é agora o mais espalhafatoso garoto-propaganda. Durante a invasão do Iraque, rotular como “fundamentalistas” o presidente Bush (cristão) e o secretário Rumsfeld (judeu) tornou-se repentinamente obrigatório em toda a mídia chique, com uma uniformidade que comprova, uma vez mais, a presteza da classe jornalística em colaborar com a reforma orwelliana do vocabulário.

Realizando um sonho de infância

Desde pequenos, os membros da futura Comissão de Desconstituição e Injustiça da Câmara Federal nutriam profunda revolta contra as palmadas que levavam de seus progenitores em represália ao exercício de direitos humanos fundamentais, como o de tentar furar os olhos de seus irmãozinhos, atear fogo à casa, esganar os periquitos da vizinha, esticar um barbante entre os degraus da escada só para ver a vovó rolando ou praticar qualquer outra daquelas truculências encantadoras que prenunciam uma brilhante maturidade de discípulos de Che Guevara.

Na adolescência, ainda parcialmente oprimidos sob a autoridade familiar, comoviam-se até às lágrimas com a perspectiva de tornar-se, à imagem do mestre, “eficientes e frias máquinas de matar” e sair massacrando padres, burgueses, pais, mães e demais autoridades, “pero sín perder la ternura jamás”.

O sonho kitsch do morticínio meigo encantou sua juventude e tornou-se o ideal orientador de sua formação moral. Infelizmente, durante todo esse longo período, nada puderam fazer de substantivo contra a autoridade opressora, da qual dependiam para seu sustento, vestuário, educação, lazer e outras maldades a que se submetiam com paciência de verdadeiros mártires do socialismo. Em segredo, juravam que um dia iam acabar com toda aquela injustiça capitalista.

Agora, crescidinhos, tiveram finalmente uma oportunidade da vingança redentora contra papai & mamãe. Ainda não puderam mandá-los para a cadeia, mas já quebraram a espinha dorsal da sua autoridade. Aprovaram, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 2654/03, que proíbe qualquer forma de castigo físico em crianças e adolescentes. O projeto será encaminhado ao Senado, sem precisar ser votado pelo Plenário da Câmara.

O incentivo direto e indireto à delinquência infanto-juvenil tem sido, há quase um século, um dos instrumentos fundamentais usados pelos ativistas de esquerda para minar a ordem social capitalista, gerando dentro dela um caos infernal para em seguida poder acusá-la de ser precisamente isso e propor a salvação geral mediante o acréscimo de controles estatais e burocráticos, exercidos, é claro, por eles mesmos. Intimamente associada a essa estratégia, a transferência progressiva de todas as formas de controle social para o grupo politicamente ativo é também um objetivo constante da subversão comunista. Todos os meios são usados para isso, sempre sob pretextos edificantes que colocam o eventual adversário na posição incômoda de parecer um defensor do mal. As mães que derem uma palmada no bumbum de seus filhos, por exemplo, serão agora encaminhadas compulsoriamente a um “programa comunitário de proteção à família”. Quem pode ser contra a proteção à família? Na URSS, os dissidentes eram encaminhados à “assistência psiquiátrica gratuita”. Quem pode ser contra o tratamento gratuito dos doentes mentais?

Nos EUA, já se tornou impossível ignorar o vínculo de causa e efeito entre as reformas educacionais “progressistas” adotadas desde John Dewey (1859-1952) e o crescimento avassalador da delinqüencia infanto-juvenil, um problema que o Estado já desistiu de eliminar, contentando-se agora em dedicar-se ao “gerenciamento de danos”, isto é, em adestrar a sociedade para que aceite o estado de coisas como fatalidade inevitável. (Sugiro, quanto a esse ponto, a leitura de Joel Turtel, Public Schools, Public Menace : How Public Schools lie to Parents and Betray our Children , Charlotte T. Iserbyt, The Deliberate Dumbing Down of America , Berit Kjos, Brave New Schools: Guiding Your Child Through the Dangers of the Changing School System , Brenda Scott, Children No More: How We Lost a Generation, Bob Whitaker, Why Johnny Can't Think e John Taylor Gatto, Dumbing Us Down: The Hidden Curriculum of Compulsory Schooling. Todos esses livros podem ser encontrados pelo site www.bookfinder.com.) Simultaneamente, a intelectualidade ativista tira proveito da situação que ela própria criou, imputando a violência adolescente, por exemplo, às fábricas de armas, que já existiam no tempo em que as crianças se contentavam com traquinagens domésticas inofensivas.

A relatora do projeto na Comissão, Sandra Rosado (PSB-RN), justificou a nova lei afirmando que “educar pela violência é uma abominação, incompatível com o atual estágio de evolução da sociedade". Decerto: quando um país, governado pelos gangsters do Mensalão intimamente associados aos narcotraficantes das Farc, chega aos 50 mil homicídios por ano e ainda se preocupa mais em amarrar as mãos dos policiais do que em deter os criminosos, isso é um estágio de evolução incompatível com palmadas educativas nos bumbuns das crianças travessas. O tempo de tentar educar as safadinhas já passou: elas já estão todas na Câmara Federal.

Somada às demais medidas concomitantes tomadas pelo Estado-babá para a proteção dos delinqüentes e a criminalização de todas as formas tradicionais de autoridade, a nova lei promete ter efeitos culturais que farão Antonio Gramsci e os fundadores da Escola de Frankfurt ter orgasmos no túmulo. Deve ser - por fim! -- a liberação sexual dos mortos.

Fontes sobre a perseguição anti-religiosa

Livros:

· David Limbaugh, Persecution: How Liberals Are Waging War Against Christianity (Washington, Regnery, 2003).

· Roy Moore, So Help Me God: The Ten Commandments, Judicial Tyranny, and The Battle for Religions Freedom (Nashville, Tennessee, Broadman & Holman, 2005).

· Janet L. Folger, The Criminalization of Christianity (Systers, Oregon, Multnomah, 2005).

· Rabbi David G. Dalin, The Myth of Hitler's Pope (Washington DC, Regnery, 2005).

· David B. Barrett & Todd Johnson, World Christian Trends, Ad 30-Ad 2200: Interpreting the Annual Christian Megacensus. William Carey Library, Send the Light Inc, 2003.

· E. Michael Jones, Libido Dominandi: Sexual Liberation and Political Control (South Bend, Indiana, St. Augustine's Press, 2000).

Internet:

· http://www.christianpersecution.info/

· http://zbh.com/links/martyred .htm

· http://www.freedomhouse.org/religion/

· http://www.christianmonitor.org/

· http://www.worship.com/help/

· http://www.wayoflite.org/fbns/state.htm

·http://www.thegreatseparation.com/newafront/christian_persecution/

· http://www.persecution.com/

· http://www.jews4fairness.org/index.php

· http://www.wnd.com (site de notícias em geral, acompanha regularmente as notícias de perseguição religiosa no mundo).

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